Por Alice Vieira
ELAS CHEGARAM agora junto de ti.
Elas pensavam que o mundo cabia inteiro nas paredes da sua casa, e que
quem lá vivia eram os seus únicos habitantes. Terás de mostrar-lhes que
não é verdade.
Elas têm poucas palavras para nomear o que as rodeia. Terás de as ajudar a encontrar as que faltam.
Elas vão ver o mundo com as cores que tu puseres em cada som e em cada gesto.
Elas vão olhar para ti, aprender o teu nome, chamar-te por tudo e por nada, geralmente por nada. Que é sempre tudo.
Vais mostrar-lhes como se vive com os outros, como se aceita quem não é
igual a nós, tal como se aceita um desenho pintado com todas as cores
do arco-íris.
Vais aprender a ter de lhes dizer muitas vezes “ não”, sem te deixares levar pelo seu beicinho irresistível.
Mas vais também dizer-lhes muitas vezes “sim” e sentir que é para ti que elas sorriem e estendem as mãos.
Vais levá-las ao jardim quando há sol, vais empurrar baloiços que
chegam ao céu, vais assoar narizes cem vezes ao dia, vais fazê-las
aprender a gostar de sopa, vais ler-lhes histórias e ensinar-lhes que
todas as meninas têm direito a ser princesas, e todos os meninos têm
direito a ser piratas das Caraíbas.
Elas vão ser, naquele pequeno
universo diário, os filhos que tens em casa, ou na escola, ou não tens,
ou esperas vir a ter mais tarde.
E por vezes podes sentir uns ligeiros remorsos por teres para elas o tempo que não tens para os teus.
Elas levam-te nos olhos quando à tarde as vêm buscar. E esperas que te levem também no coração.
Elas vão acreditar em ti como acreditam nas fadas e no Pai Natal.
Elas vão pôr-te os nervos à flor da pele e fazer-te esquecer, por
vezes, o que aprendeste, e perder a paciência que sempre julgaste
inesgotável.
Elas vão fazer-te suspirar pela hora do regresso a
casa, vão fazer-te levar muitas vezes as mãos à cabeça e proferir
intimamente palavras impronunciáveis. Porque elas são crianças. E porque
tu és humana.
Resumindo: elas vão-te fazer feliz para o resto da tua vida.
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